Por: ConJur (adaptado)
O ordenamento jurídico brasileiro não permite penas cruéis. Com esse entendimento, a Associação de Juízes para a Democracia (AJD) defendeu o indeferimento de pedido para afrouxar as restrições ao uso de contêiner no alocamento de pessoas presas.
A recomendação foi feita em ofício enviado ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, contra pedido do Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional.
“A prática do uso de contêiners não é nova no país. Ela já foi tentada em alguns estados, dentre eles o Pará e o Espirito Santo. Em 2010, este último foi denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU), diante de graves problemas no sistema carcerário. Presos ficavam em contêineres de ferro a temperaturas desumanas, tendo ocorrido esquartejamentos e torturas”, descreve o texto do documento assinado pela presidenta da AJD, Valdete Souto Severo.
“O ordenamento jurídico nacional não permite penas cruéis. A Constituição assegura aos presos integridade física e moral. A prisão em contêiner, de manifesta ilegalidade, em qualquer uma de suas modalidades, fere assim a dignidade da pessoa humana”, ressalta a AJD no texto.
Em vez de subestimar o poder de letalidade da Covid-19 e superestimar as penas privativas de liberdade e as estruturas das cadeias, cujo Supremo Tribunal Federal já declarou em estado inconstitucional de coisas, “cumpre ao Ministério da Justiça fomentar a efetivação em todo o território da Recomendação n.62 do Conselho Nacional de Justiça, que aponta diretrizes e caminhos para garantia e proteção da saúde de quem está atrás das grades, indicando entre outras medidas a prisão domiciliar para idosos, doentes, grávidas, lactantes e apenados em regime semiaberto”, defende a entidade.
Leia a íntegra do ofício:
Ofício nº 10/2020 – AJD Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária Assunto: Manifesto contra conteiners Excelentíssimo Senhores (as) Conselheiros (as), A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental, de âmbito nacional, sem fins corporativos, ciente do teor do ofício n.806/2020/GAB-DEPEN/MJ, vem manifestar a vossas excelências, membros do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sua absoluta contrariedade a qualquer resolução que vise a afastar diretrizes básicas para a arquitetura penal, constantes na Resolução n.9/2011 – CNPCP e suas alterações. Solicita o Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, por meio do referido ofício, que esse Conselho afaste temporariamente as restrições constantes na resolução retro enumerada para efeito de permitir o uso de contêiners e assim, entre outros objetivos, satisfazer a necessidade de vagas temporárias destinadas a abrigar presos não contaminados, mas em grupo de risco, e vagas temporárias destinadas a abrigar presos contaminados sem que necessitem de tratamento médico. A prática do uso de contêiners não é nova no país. Ela já foi tentada em alguns estados, dentre eles o Pará e o Espirito Santo. Em 2010, este último foi denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU), diante de graves problemas no sistema carcerário. Presos ficavam em contêineres de ferro a temperaturas desumanas, tendo ocorrido esquartejamentos e torturas. O ordenamento jurídico nacional não permite penas cruéis. A Constituição assegura aos presos integridade física e moral. A prisão em contêiner, de manifesta ilegalidade, em qualquer uma de suas modalidades, fere assim a dignidade da pessoa humana. No lugar de subestimar o poder de letalidade da Covid-19 e superestimar as penas privativas de liberdade e as estruturas das cadeias, cujo Supremo Tribunal Federal já declarou em estado inconstitucional de coisas, cumpre ao Ministério da Justiça fomentar a efetivação em todo o território da Recomendação n.62 do Conselho Nacional de Justiça, que aponta diretrizes e caminhos para garantia e proteção da saúde de quem está atrás das grades, indicando entre outras medidas a prisão domiciliar para idosos, doentes, grávidas, lactantes e apenados em regime semiaberto. Ressalte-se que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos lançou a Resolução n.1/2020. Essa Resolução dá nova dimensão às diretrizes da Recomendação n.62 do CNJ, colocando o Estado Brasileiro e as autoridades do país na condição de obrigados a medidas de proteção a presos e da necessidade de procederem ao desencarceramento preventivo. Ou seja, a Comissão IDH está a dizer que o descumprimento sujeitará o país a sanções perante a Corte IDH. Projetos como esses do Departamento Penitenciário Nacional, que se centram em experiências mal sucedidas e que evitam, por incompetência ou falta de vontade, a enfrentar os principais desafios para a superação da Pandemia, que bate às portas do sistema carcerário, não estão à altura dos desafios que o momento exige. Diante de todo o exposto, de acordo com os princípios que norteiam a preservação da dignidade humana no contexto do um Estado Democrático de Direito, ainda estampado na Constituição da República e pelo qual todos temos a obrigação de zelar, os juízes para a democracia rejeitam veementemente o pedido do Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional e requerem que esse Conselho indefira prontamente o afrouxamento das restrições de uso de contêiner no alocamento de pessoas presas. Certa de contar com a compreensão e o apoio de Vossa Excelência para essa justa demanda, agradecemos antecipadamente. Atenciosamente, VALDETE SOUTO SEVERO Presidenta da Associação Juízes para a Democracia - AJD
Ação conjunta
Outras 31 entidades assinam nota conjunta com o mesmo teor, alegando que a "proposta do Departamento Penitenciário visa a extinguir as poucas regras restantes, violando o que determina a LEP".
"Entendemos que eventuais alterações nos parâmetros de arquitetura prisional devem necessariamente ser precedidas de estudos e da oitiva da academia e da sociedade civil, bem como devem respeitar as regras constitucionais e constantes dos instrumentos do direito internacional dos Direitos Humanos, padrões que, à evidência, não são respeitados pela solicitação de flexibilização das regras hoje existentes", afirmaram, em outro ofício também encaminhado ao CNPCP.
Os advogados Leonardo Magalhães Avelar e Taisa Carneiro Mariano, membros do Observatório do Direito Penal, também emitiram nota com considerações à proposta do Ministério da Justiça em acomodar presos em contêineres. "Cumpre destacar que toda mudança no sistema carcerário brasileiro deve estar pautada na melhoria das condições de infraestrutura, uma vez que o próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu nosso Estado Inconstitucional de coisas no cárcere", diz a nota.
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Texto publicado originalmente em ConJur.