Entidades médicas e advogados veem pratica abusivo e prejuízo ao consumidor
Por Pollyanna Brêtas — Extra.globo.com
Nem mesmo a recuperação das receitas e o lucro líquido de R$ 3,1 bilhões, nos 9 primeiros meses do ano, enfraqueceram a ofensiva dos planos de saúde para reduzir seus custos. Depois de investimentos para detecção de fraudes, denúncias contra suspeitos de esquemas ilícitos de ressarcimento de despesas, e denúncias contra corretores de seguros, agora as operadoras estão impondo novas condições para autorizar exames e procedimentos dos pacientes, mesmo os mais simples como a realização de um hemograma.
Burocracia dificulta acesso
As novas exigências para liberação a realização de exames pegaram médicos e pacientes de surpresa, e irritaram associações médicas. A Associação Médica Brasileira (AMB) diz que a prática pode refletir na qualidade do atendimento e retardar a realização dos exames pelos pacientes e prejudicar o diagnóstico de doenças. A AMB já enviou um ofício à Agência Nacional de Saúde (ANS) sobre a medida.
-- Esses formulários são bastante extensos, com inúmeros campos, que não atendem a prerrogativa de justificativa do procedimento. Cria uma burocracia para dificultar o acesso. Todos sabemos que uma mamografia de rastreio reduz a mortalidade de mulheres, por exemplo -- pontua Cesar Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira.
A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) diz que a Bradesco Saúde foi a primeira a adotar o procedimento e agora exige que médicos preencham formulários com mais de 50 linhas para a realização de qualquer exame mesmo os mais simples — como de sangue. A prática tem impedido pacientes de fazer procedimentos, especialmente usuários que vão a médicos não credenciados. A entidade diz ainda que a medida induz a violação do sigilo na relação médico-paciente.
— Todo pedido de exame tem que ser justificado e os médicos já fazem isso. Agora, a Bradesco está dificultando e impedindo a realização de procedimentos que têm cobertura obrigatória. Não são exames que não estão fora do rol de procedimentos. Volta e meia, as operadoras promovem tentativas para tentar diminuir custos — afirma Leonardo Vasconcelos, diretor de Ensino da SBPC/ML.
Para Rafael Robba, advogado especialista em direito à saúde, do escritório Vilhena e Silva, as operadoras podem exigir justificativas, mas com razoabilidade:
— É uma forma de barrar os atendimentos dos usuários para reduzir custos. A ANS precisa investigar se é uma prática abusiva.
A Bradesco Saúde informou que "por padrão faz constantemente a revisão de seus processos”. A operadora diz que é uma “forma a garantir aos seus beneficiários qualidade e segurança na prestação dos serviços assistenciais, condizentes com o acesso às coberturas contratadas”.
ANS: não pode haver negativa
Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que as operadoras de planos de saúde são obrigadas a oferecer todos os procedimentos previstos no rol de procedimentos. Sobre a exigência de informar dados do paciente nas solicitações médicas de exames, a agência esclarece que não há a obrigatoriedade normativa estabelecida nesse sentido.
O órgão diz ainda que, caso a solicitação médica não contenha informações sobre o quadro clínico do paciente, ou estas sejam insuficientes, a operadora deverá solicitar as informações necessárias.
Segundo a ANS, embora a operadora também possa solicitar informações adicionais sobre a condição clínica do beneficiário, não poderá negar cobertura em razão da ausência de informações complementares, uma vez que sua cobertura será obrigatória.
A ausência de informações, no entanto, “não pode configurar mecanismo de regulação que dificulte ou impeça o acesso aos procedimentos de cobertura obrigatória”, diz a ANS. As restrições de acesso à cobertura podem ocasionar sanção e multa pela ANS.
Agência não esclarece se vai investigar o caso denunciado pelos médicos.
Ofensiva contra corretores
Um corretor de seguros do Distrito Federal está respondendo criminalmente por fraude contra um plano de saúde. Segundo a denúncia da administradora, para efetuar a venda de um contrato coletivo por adesão, o corretor inseriu documentação falsificada indicando que uma beneficiária estaria associada a uma entidade de classe que jamais esteve vinculada.
A documentação incluiu, inclusive, carta supostamente assinada de próprio punho pela beneficiária. As investigações, no entanto, concluíram que a usuária do plano não tinha conhecimento da fraude.
— É um caso concreto que mostra que as operadoras de planos de saúde estão em um combate mais estrutural, do ponto de vista repressivo para denunciar a existência de crime. No meu escritório aumentou exponencialmente a repercussão criminal desses casos — conta Leonardo Avelar, sócio do Avelar Advogados.
Em acordo com o Ministério Público, o corretor confessou o crime e foi descredenciado. Ele pagará multa e prestará serviços comunitários.
Texto publicado originalmente em Extra.globo.com e reproduzido em Gazeta Potiguar, Mix Vale e Tribuna do Sertão.